Se você contasse a uma pessoa que durante uma caminhada presenciou um acidente de trânsito, certamente essa pessoa entenderia que um veículo, por algum motivo, acabou colidindo com outro, com um poste, um muro etc.
No entanto, essa expressão “acidente de trânsito”, como é normalmente conhecida, teve sua terminologia alterada pela ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas, passando a ser denominada como “sinistro de trânsito”.
Norma Técnica
A NBR 10.697/20, que define os termos técnicos utilizados na preparação e execução de pesquisas relativas a SINISTROS de trânsito e na elaboração de relatórios estatísticos e operacionais, considera sinistro de trânsito:
“… todo evento que resulte em dano ao veículo ou à sua carga e/ou em lesões a pessoas e/ou animais, e que possa trazer dano material ou prejuízos ao trânsito, à via ou ao meio ambiente, em que pelo menos uma das partes está em movimento nas vias terrestres ou em áreas abertas ao público”.
Lamentavelmente o Brasil ainda possui dados alarmantes quando se fala em sinistros de trânsito. De acordo com dados da Seguradora Líder, que administrava o Seguro DPVAT, no ano de 2020 foram registrados 229.646 sinistros, dos quais, 29.396 resultaram em morte.
Como proceder em caso de sinistro sem vítima
Quando um sinistro de trânsito ocorre, muitas vezes a pessoa envolvida não sabe o que fazer, mesmo nos casos em que há apenas danos materiais, por isso faremos algumas considerações acerca do tema, considerando as consequências administrativas, cíveis e criminais a depender do caso concreto.
Havendo uma colisão entre dois veículos somente com DANOS MATERIAIS, é sempre possível que haja um acordo amigável entre as partes de modo que o causador do sinistro se responsabilize por arcar com os custos decorrentes de sua ação, pois aquele que causar dano a outrem está cometendo um ato ilícito e tem o dever de reparar o dano, como se observa nos artigos 186 e 927 do Código Civil. Se não houver acordo entre as partes, aquele que sofreu o prejuízo deve juntar provas suficientes e pode ajuizar ação objetivando a reparação do dano.
Em alguns casos de sinistros de trânsito SEM VÍTIMA, os condutores costumam deixar o veículo no local onde se deu o fato, muitas vezes comprometendo a segurança e a fluidez do trânsito, aguardando a chegada de um agente da autoridade de trânsito para que este avalie a situação.
No entanto, essa conduta é considerada infração de natureza média, prevista no art. 178 do Código de Trânsito Brasileiro, com multa de R$ 130,16 e o registro de 4 pontos no prontuário do infrator.
Nessa situação, os condutores dos veículos envolvidos podem registrar o ocorrido com imagens do local e em seguida retirar os veículos para um local seguro e permitido. Com a chegada do órgão de trânsito será feita a análise para preenchimento do Boletim de Ocorrência de Acidente de Trânsito (BAT), nos termos da Resolução nº 810/2020 do Conselho Nacional de Trânsito, que dispõe sobre a classificação de danos e os procedimentos para a regularização, a transferência e a baixa dos veículos envolvidos em sinistros.
Convém mencionar que os órgãos ou entidades com circunscrição sobre a via poderão disponibilizar em seu sítio eletrônico na rede mundial de computadores o acesso a formulário ou outro meio eletrônico que possibilite o registro de sinistros de trânsito sem vítimas por meio de declaração do próprio cidadão, o qual mediante validação pela autoridade de trânsito ou seu agente poderá substituir a lavratura do BAT.
Como proceder em sinistro com vítima
Nos sinistros de trânsito em que houver vítima, pode configurar um CRIME de trânsito a depender das circunstâncias.
Considerando que, hipoteticamente, um condutor tenha perdido o controle do seu veículo atropelando uma pessoa causando-lhe ferimentos.
Nesse caso foi praticado crime de lesão corporal culposa na direção de veículo automotor que está tipificado no art. 303 do CTB e prevê pena de detenção, de seis meses a dois anos e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor. Existem ainda causas de aumento de pena previstas nos §§ 1º e 2º desse artigo.
Por se tratar de lesão corporal culposa, ressalvadas as hipóteses do § 1º do art. 291 do CTB, esse crime depende de representação da vítima (art. 88 da Lei nº 9.099/95), ou seja, a pessoa deve manifestar o interesse de ver o responsável pelo fato ser responsabilizado criminalmente. Somente se houver acordo entre as partes, que pode ser uma composição cível (art. 74 da Lei nº 9.099/95), ou ainda, se esgotado o prazo decadencial de seis meses para o oferecimento da representação (art. 38 do Código de Processo Penal), então não teremos responsabilização.
No mesmo contexto hipotético, mas havendo VÍTIMA FATAL, o crime é o de homicídio culposo na direção de veículo automotor, tipificado no art. 302 do CTB, com penas de detenção, de dois a quatro anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor, podendo ainda ser aumentada nas situações previstas nos §§ 1º e 3º desse artigo.
Diferentemente do que muitas pessoas imaginam, quando se envolve em um sinistro de trânsito na condição de causador, existe o dever de prestar socorro, sob pena de que essa omissão implique em causa de aumento de pena ou mesmo de um crime específico (art. 304 do CTB), quando a pessoa se envolveu no sinistro sem ter sido causador e não prestou o socorro devido, que não pode ser suprido por terceiros.
No art. 301 do CTB, existe a previsão ao condutor de veículo, nos casos de acidentes de trânsito de que resulte vítima, em que não se imporá sua prisão em flagrante, nem se exigirá fiança, se prestar pronto e integral socorro àquela. Obviamente não será responsabilizado aquele que se evadiu do local em razão de risco à própria segurança (art. 302, § 1º, III; art. 303, § 1º; e art. 304, caput, todos do CTB).
Sinistro envolvendo pessoa sem habilitação
Outro aspecto que levanta muitos questionamentos é no caso do sinistro de trânsito em que a vítima é um inabilitado, como por exemplo, um condutor que avança o sinal vermelho do semáforo com seu automóvel e colide com um motociclista que não possui habilitação.
Nessa situação, a depender do caso concreto, aquele que provocou o sinistro poderá responsabilizado nas esferas administrativa, cível e criminal, bem como o inabilitado que também poderá ser responsabilizado administrativamente, pois conduzia sem possuir habilitação, na esfera cível se de algum modo concorreu para o resultado danoso e criminalmente se restar comprovada alguma conduta passível de punição no âmbito penal.
Em suma, é importante frisar que cada um responderá na medida da sua culpabilidade. Acidente ou Sinistro de trânsito? BAT - Boletim de Acidente de Trânsito
Conclusão
Por fim, devemos atentar para a mudança na terminologia utilizada, sobretudo aqueles que são profissionais da área de trânsito. No caso dos demais usuários, especialmente os condutores de veículos, agir defensivamente a fim de evitar que sinistros de trânsito aconteçam é a postura que deve ser adotada sempre, pois o objetivo maior é a segurança de todos no trânsito.
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