Num acidente (sinistro) de trânsito, quem não tem CNH está sempre errado e terá que pagar todos os prejuízos? Nem sempre. Veja como tem decidido o Judiciário:
Situação hipotética
Imagine que uma pessoa não habilitada, está a conduzir um veículo e, percebendo o semáforo no verde, prossegue normalmente a seguir a fila de carros. De repente, outro condutor vem em alta velocidade, avança o sinal vermelho e colide na sua lateral. Condutor sem habilitação nem sempre é o culpado pelo acidente
Descendo do veículo, começam a conversar a respeito do sinistro quando o causador do acidente descobre que o outro não tem CNH. Nesse momento ele vira e, percebendo a vulnerabilidade do outro, diz: “opa, você não tem habilitação então está totalmente errado. Vai ter que pagar o meu prejuízo”.
Então, aquele que não tem habilitação, tremendo possíveis consequências sob a ameaça de ser acionada a polícia, se dá por errado na situação e assume todo prejuízo.
Mas você sabia que nem sempre o inabilitado será considerado o causador do sinistro? É isso mesmo. A legislação atribui a cada um as responsabilidades pelos seus erros.
Cada um responde pelo seu erro. Condutor sem habilitação nem sempre é o culpado pelo acidente
CAUSADOR DO SINISTRO: O condutor que avançou o sinal vermelho, em alta velocidade, e colidiu com a lateral do outro veículo, responderá conforme previsto nos artigos 186 e 927 do Código Civil brasileiro:
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Perceba que os citados dispositivos legais responsabilizam esse condutor pelos danos morais e materiais por ele causados em consequência da sua imprudência, inclusive obrigando-o a repará-los.
Caso o sinistro tenha resultado em vítima com lesão corporal ou morte, este condutor ainda responderá por esses crimes na modalidade culposa (praticado sem a intenção do resultado) pelos artigos 302 e 303 do CTB:
Art. 302. Praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor: Penas – detenção, de dois a quatro anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.
Art. 303. Praticar lesão corporal culposa na direção de veículo automotor: Penas – detenção, de seis meses a dois anos e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.
CONDUTOR INABILITADO: Mas e o outro condutor, sem CNH, nada vai acontecer com ele? Claro que sim! Este responderá pela infração administrativa de conduzir o veículo sem possuir habilitação para tal.
CTB, art. 162. Dirigir veículo: I – sem possuir Carteira Nacional de Habilitação, Permissão para Dirigir ou Autorização para Conduzir Ciclomotor: Infração – gravíssima; Penalidade – multa (três vezes);Medida administrativa – retenção do veículo até a apresentação de condutor habilitado;
A depender do caso, poderá responder até pelo crime previsto no artigo 309 do CTB, veja:
Art. 309. Dirigir veículo automotor, em via pública, sem a devida Permissão para Dirigir ou Habilitação ou, ainda, se cassado o direito de dirigir, gerando perigo de dano: Penas – detenção, de seis meses a um ano, ou multa.
Como tem decidido o Judiciário
Pesquisando sobre jurisprudências que pudessem reforçar os argumentos aqui apresentados, encontrei pelo menos dois casos que vale a pena compartilhar:
CASO 1 – Um homem inabilitado vinha em sua motocicleta quando foi atingido por um automóvel conduzido por uma mulher que, ao entrar para fazer a curva, avançou parte da contramão. O motociclista teve lesões sérias na perna o que, posteriormente, o levou a tê-la amputada.
O caso foi para Justiça e a mulher foi condenada a pagar os danos materiais da moto e ainda uma indenização de oitenta mil reais ao motociclista (vítima) que, inconformada, pois sabia que o motociclista não era habilitado, recorreu até a última instância, mas perdeu em todas. Veja o que disse o Tribunal:
“O fato de a vítima não estar habilitada para pilotar a motocicleta não faz com que a culpa pelo evento danoso seja presumivelmente dela, mormente, como no caso, quando se constata a culpa exclusiva da outra parte envolvida.” [clique aqui para ter acesso à íntegra dessa decisão]
CASO 2 – Caminhoneiro, ao tentar uma manobra imprudente, perde o controle e atinge um automóvel, conduzido por um condutor inabilitado, que por ali trafegava. Mais uma vez a Justiça deu como único responsável pelo acidente apenas aquele que foi imprudente na manobra, não atribuindo qualquer responsabilidade ao condutor do automóvel (sem CNH).
“4. Segundo a jurisprudência desta Corte, a ausência de carteira de habilitação da vítima não acarreta, por si só, a sua culpa concorrente, sendo imprescindível, para tanto, a comprovação da relação de causalidade entre a falta de habilitação e o acidente, o que não ocorreu na hipótese em julgamento.”
Conclusão
Já vi casos em que o condutor inabilitado, percebendo que a multa por falta de CNH ficaria mais cara, acabou concordando em pagar os prejuízos, mesmo não sendo ele o causador do sinistro.
Mas isso não atribui a ele a culpa pelo ocorrido e, caso ele queira cobrar os prejuízos sofridos, certamente logrará êxito numa ação judicial, ficando apenas responsável pelo fato de ter conduzido o veículo sem estar habilitado para tal.
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